BEM-VINDOS, TIJOLINHOS!

Vamos construir juntos esse espaço de convivência e troca de figurinhas sobre artesanato, cinema, livros, decoração, filhos, jardinagem, horticultura e tudo mais de bom que possa surgir!


quinta-feira, 8 de abril de 2010

Da dificuldade em lidar com o luto


Aos onze anos eu perdi meu avô paterno. Era um homem sério e circunspecto. Trabalhador, construiu um bom patrimônio para a esposa e os sete filhos. Quando eu nasci(a quarta neta), ele fez pra mim uma linda poesia: "Estrelinha". Nos comunicávamos através da lousa que ficava na parede da sala, trocando versinhos esporadicamente. Lembro de ter entrado um dia no quarto de meus avós e surpreendido meu avô de ceroulas, aquelas bem compridas, de antigamente. Não éramos de beijos, abraços e carinhos. Um dia ele se sentiu mal, andou até a Policlínica(uns quatro quarteirões), fez exames e se internou, sozinho. Só depois comunicou à família. Na noite deste dia os filhos conversavam sobre o revezamento no acompanhamento ao pai para a cirurgia de coração que ele faria. Não deu tempo, ele morreu de infarto na manhã do dia seguinte. Tinha oitenta e um anos. No velório, muita gente e muitas lágrimas de minha avó. Minha tia veio de Brasília para o funeral. Meu avô sempre dizia que não queria ser velado/enterrado de paletó, mas coberto com um lençol branco. E assim foi. Lembro que não chorei, até fiz força, achando que devia. Lembro que peguei no pé dele no caixão, por sobre o lençol, como havia visto minha avó fazer. Duro e frio. Tinha medo depois de vê-lo em qualquer lugar escuro, até dentro da lata de nescau... Tirando o temor do sobrenatural, a morte dele não me abalou tanto.

Aos vinte e um anos, perdi uma tia querida. Branquinha, sorridente e bem-humorada, me levou muito ao cinema e ao clube, com o restante da primaiada piveta. Casou e teve uma filha. Separou. Formou-se em Psicologia. Juntou e teve outra filha. Depois de constantes crises de enxaqueca e inúmeros exames de todo tipo, ela descobriu ter um aneurisma, do tamanho de uma bola de pingue-pongue. Conversou com todos sobre o assunto e as possibilidades, brincou sobre "última refeição" e fez preparativos legais(escritura da casa, bens das filhas etc). Lembro da conversa que ela teve com minha mãe(eu do lado, sem saber como inserir qualquer comentário ao ouvir ela falar no diagnóstico do médico). Desde aquele momento tive pressentimentos ruins, achei a idéia de uma cirurgia no cérebro algo por demais aterrador. Ela ficou cinco dias em coma e não voltou. Tinha trinta e seis anos. Na casa de minha avó a rotina do velório incluía choro e risos. Sentíamos fome e comíamos, inclusive minha mãe preparou um caldo "de bebo" que reanimou muita gente. Pessoas chegavam, mais choro, lembranças, risadinhas culpadas e chás com calmantes para minha avó. "Estou azeda de tanto chá!" ela disse já zangada, de tanto que ofereciam a ela. Lembro que a abracei muito, apertado. Não quis ver o corpo de minha tia. Sentava em frente ao caixão, cumprimentava todo mundo mas não quis ver, não queria essa lembrança pois sabia que me aterrorizaria no futuro e eu queria lembrar do sorriso de lindos dentes, da gargalhada, da torta de sardinha que só ela sabia fazer. Minha tia de Brasília ao ver o corpo da irmã ficou cinza, literalmente. Os olhos dela diziam tudo. Virei a noite no velório. Meu irmão que morava lá e dormia no quarto em frente à sala pediu que eu fosse dormir no quarto com ele, que estava impressionado e tinha medo de ficar só. Acabei tendo um pesadelo medonho e acordei aos gritos, apavorando a todos que estavam na sala junto ao caixão. Meu irmão? Roncava tranquilamente, enquanto eu saía do quarto aos tropeções, chorando. Me agarrei com todos e não quis mais saber de dormir. Dia amanhecendo, outra visão de uma mente transtornada: por cima do telhado da casa, julguei ver uma mulher de branco, cabelos ao vento, acenando pra mim. Paralisada, pedi a uma prima que fosse em meu socorro e olhasse na mesma direção que eu. Era um coqueiro balançando com a brisa... Vovó não quis ir ao cemitério. Por lá, meu pai fazia piada sobre como a pá do coveiro era afiada. Foi uma perda real, eu gostava dela e tivemos uma boa convivência.

2 comentários:

DRICA disse...

Excelente o texto amiga!

Aliás o blog está ótimo! Já o favoritei!

Edlena Franklin disse...

Que bom, querida amiga! Sua presença em minha vida é muito importante, você sabe...
Beijos