sexta-feira, 9 de abril de 2010
Da dificuldade em lidar com o luto II
Quando eu tinha quatro anos, minha mãe me levou para um velório nas vizinhanças de casa, quando morávamos no bairro São Gerardo. Um garotinho de dois anos havia sido atropelado por um caminhão. Hoje imagino que talvez minha mãe quisesse me mostrar desde cedo que a morte fazia parte da vida, mas eu, em nenhum momento depois dessa experiência, cogitei em proporcionar algo semelhante a um filho que porventura tivesse. Era muita dor, para todo lado. Desespero da mãe, que se agarrava ao pai. A imagem do menininho, com os algodõezinhos nos ouvidos e nariz, foi demais pra mim. Chorei muito, e se serviu pra alguma coisa, foi pra morrer de medo de caminhões e me manter à distância deles. Eu não tinha idade para dar pêsames a ninguém na época, e hoje, adulta, tenho desconforto e angústia magistrais quando surge ocasião para tal.
Já casada e com um filho de pouco mais de um ano, que frequentava creche, era de praxe que convivesse com outras mães e pais de crianças da mesma idade. Como a creche pertencia ao trabalho do marido, normal que alguém desse grupo fosse colega de trabalho dele. Assim foi com Ronildo Pimentel. Pernambucano, magro e piadista, estava sempre presente nos almoços e encontros com a turma antes mesmo de meu casamento, por conta dos Light Bikers. Pedalar era a grande onda no final de 80/início dos 90 em Fortaleza. Imensos grupos se reuniam e saíam em rotas pré definidas à noite, com batedores e carros de apoio, garantindo a segurança dos ciclistas e o desepero dos motoristas. Dependendo do dia, levava-se vários minutos até que o grupo inteiro liberasse um cruzamento importante de ruas. Ronildo não ficou só nessa de passeios noturnos. Partiu para trajetos mais longos e chegou a ir a Recife, sozinho, com a mochilinha e a coragem. Com um amigo, fez sociedade numa loja de peças e acessórios para bicicletas. Ele e a esposa, Dira, tinham três filhos homens e adotaram uma menininha, Tatiana. Eles, bem morenos, ela, ruiva e branquinha, seis meses mais velha que Daniel. A festa de um ano da Tati foi na Casa de José de Alencar, todos muito felizes, pois ela foi muito desejada pela família. Certo dia, Ronildo saiu com um amigo para pedalar pelos lados do Cambeba. O amigo deu pela falta dele em certo trecho do percurso e retornou. Encontrou-o caído no chão, tendo convulsões. Di me comunicou que ele estava em coma e ficamos no aguardo de notícias. Nunca se soube exatamente o que aconteceu, o que teria levado à queda. O restante da família veio de Recife para dar suporte emocional a Dira e aos meninos enquanto rezavam pela recuperação de Ronildo. Tinha ido visitá-la dias depois, e a casa estava cheia, todos ansiosos pois o quadro havia piorado. Pouco depois alguém liga do hospital e fala com ela, que dá a notícia do falecimento do marido aos filhos: "Painho se foi". A mãe dele, uma senhora de aspecto frágil, precisou ser amparada e o clima ficou daquele jeito, com o filho mais velho esmurrando as paredes e Dira, rígida, aguentando calada. Me senti uma intrusa, sem condição de ajudar em nada, sem saber o que dizer e saí sorrateiramente, até porque era hora de apanhar Daniel na creche. Fui até a classe de Tatiana e fiquei observando a menininha brincar, eu em prantos, quando a professora me perguntou sobre o estado do pai e comuniquei o ocorrido. Eu podia ter me oferecido para apanhá-la, ficar com ela enquanto o pior passava, mas não tive iniciativa, tato, para tanto. Quando são nossos parentes, não temos tanta preocupação com as palavras, pois todos conhecem nossas idiossincrasias e podemos dar um longo abraço e não dizer nada. A muito custo fui para a missa de corpo presente e morri de vergonha ao encontrar Dira:"Você fugiu...", disse ela, tentando parecer descontraída. Os meninos já estavam mais tranquilos e sorriam. Muitos colegas de trabalho, amigos, emocionados. Quando a vida é tomada de repente, ninguém consegue entender. Principalmente se é uma pessoa jovem, com tanta coisa a viver. Crianças, nem se fala.
A morte de minhas avós foi triste, mas quando se trata de idosos, acaba-se aceitando melhor, pois viveram longamente e aproveitaram tudo que foi possível. Vó Maria Carvalho estava avoadinha, com Alzheimer, e já tinha tido um derrame que a limitou em sua locomoção, além de problemas de pressão e diabetes. Quando a crise veio, foi rápido. Nos últimos tempos, só perguntava pelo marido, falecido há muito tempo. Ela era linha dura e achei que não sentiria tanto. Estava lindinha no caixão, usando uma blusa branca com detalhes em renda que eu mesma já pegara emprestada algumas vezes. No enterro, desmoronei. Estava posicionada ao longe, mas no final fui para perto de minha mãe e a abracei. Com a vó Maria do Carmo foi mais chocante pelo fato do dia anterior termos comemorado o dia das mães aqui em casa, ela de cadeira de rodas por causa da bacia quebrada em uma queda que havia sofrido no Rio de Janeiro, na teimosia em tentar montar o sofá-cama na casa da sobrinha. Estava bem-humorada e até tomou um gole de cerveja. Neste dia fiz uma torta de morangos e comprei vasinhos de crisântemos coloridos para todas as mães(cunhadas) e avós. Foi uma tarde feliz. No dia seguinte de madrugada, a notícia, dada pela Flavinha. Infarto fulminante. Soube depois que o vestido que ela usava, o mesmo do dia das mães, foi cortado de cima a baixo nas costas, na pressa dos médicos em tentar reanimá-la. Ela não tive coragem de ver depois, fiquei nos bastidores. Senti bastante, pois ela era uma força da natureza, sempre cheia de energia e bom humor, uma guerreira sempre com muitas histórias para contar.
O último capítulo dessa saga foi bem doloroso por não poder dar conforto à distância à família do marido, que não deixa de ser minha... Muitos elementos tornaram a perda mais sofrida: a pouca idade, a violência do acidente, a nova vida que Elvira estava começando. O que dizer aos pais numa situação dessas? Como consolar? Pelo telefone tudo parece ser tão frio e ensaiado, que fico até sem voz, sem ar. Nessas horas o toque, o calor humano é primordial. Palavras são apenas folhas ao vento quando se está quebrado por dentro.
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2 comentários:
Ed,
nem sei o q te dizer. Esses momentos sempre são tão difíceis. E vc sendo sensível como é, percebe certas coisas q os outros nem ligam muito.
Estou sempre por aqui...precisando de alguém para conversar, conte comigo!
Beijo
Sinto muito, não sei o que te falar, imagino a dor de todos inclusive a sua, sei como é perder alguém importante em nossa vida, e também não tive coragem de ir ao interro da minha avó paterna, a mais querida pra mim. Hoje me pego várias vezes imaginando o que ela acharia das flores que faço, porque ela fazias grinaldas perfeitas, lindas, tinha muitas clientes, e me vejo mostrando pra ela quando faço uma flor de pet ou de qualquer material que fica linda e perfeita como as delas: Olha vó!O que a senhora acha? Ficou linda não é?É...agora só vem as lágrimas de uma saudade....
Querida, desculpe, mas me emocionei com o que vc escreveu.
Vim aqui pra te visitar, te agradecer pelas palavras sempre tão gentis e te passar o endereço da máquinade cortar vidro. O endereço é http://www.cortadordegarrafas.com.br/.
Quando meu pai me deu custou uns R$ 400,00.Hoje vi que ela esta por R$ 385,00 e vale a pena, pode comprar, foi nesse endereço que meu pai comprou.
Bom...Fica com Deus e seu amigo sabe que você não fugiu de nada, só quis guardar a sua dor pra você mesma.
Muitos beijos.
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